Depois de muitos anos de espera e diversas idas e vindas, terminou no Supremo Tribunal Federal (“STF”) o julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706, leading case em que se discutia a “tese do século” do direito tributário, i.e., a inclusão do imposto sobre circulação de mercadorias (“ICMS”) na base de cálculo das contribuições para o Programa de Integração Social e para o Financiamento da Seguridade Social (“PIS/COFINS”).
A discussão ganhou projeção por envolver potencial impacto financeiro da ordem de centenas de bilhões de reais, segundo os cálculos da Fazenda Nacional.
A controvérsia
Em resumo, a contribuição ao PIS e a COFINS incidem sobre a receita das empresas, abrangendo seu faturamento e o resultado das suas atividades operacionais. A formação da base de cálculo é prevista pela legislação federal, historicamente incluindo o valor de outros tributos incidentes sobre a venda ou prestação de serviços, como o ICMS e o imposto sobre serviços (“ISS”).
O tratamento legal do valor do ICMS e de outros tributos como integrante da receita foi apontado por décadas como inconstitucional, tendo a controvérsia chegado a uma conclusão preliminar em março de 2017, quando o STF, por maioria, entendeu que o ICMS não compõe a base de cálculo das contribuições, visto não se confundir com a receita das empresas.
A vitória, no entanto, foi parcial – por meio de embargos de declaração da União, julgados somente agora, ficaram pendentes de conclusão dois pontos, que se resolveram da seguinte forma no recente julgamento:
- Montante do ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições: em vitória para os contribuintes, o tribunal concluiu que o imposto a ser excluído da apuração das contribuições é aquele destacado na nota fiscal. A União pretendia limitar o alcance do entendimento ao ICMS efetivamente recolhido pelos contribuintes.
- Produção de efeitos da decisão: sensibilizados pelo argumento da União de que, sem a modulação de efeitos, os cofres públicos sofreriam impacto financeiro catastrófico, os ministros decidiram, por maioria, que os efeitos da decisão somente devem alcançar fatos geradores ocorridos a partir do julgamento em março de 2017.
A modulação de efeitos vem sendo adotada pelo STF em diversos casos envolvendo controvérsias tributárias, o que, embora transmita uma aparência de correta preocupação com a coisa pública, na prática, autoriza o legislador federal a preocupar-se menos com a edição de normas inconstitucionais. Com efeito, o argumento do impacto financeiro sempre será extremamente relevante – na prática, quem arca com o “custo da inconstitucionalidade” é o contribuinte.
Com a modulação, portanto, quais são os possíveis cenários?
- Primeiro, para os contribuintes que tivessem ingressado com ações judiciais discutindo o tema até o julgamento inicial pelo STF, em 15 de março de 2017: possibilidade de requerer a restituição dos pagamentos feitos a maior no passado, além de não mais recolher as contribuições com a base majorada, a partir do julgamento.
- Segundo, para os contribuintes que somente tenham ingressado com ações a partir de 16 de março de 2017: impossibilidade de recuperar os valores pagos a maior no passado, sem prejuízo da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS dali em diante.
Para os contribuintes em geral, vale a regra: não-inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições para fatos geradores ocorridos a partir de 15 de março de 2017.
Reação do governo federal?
A modulação de efeitos, por si só, já representou importante vitória para a União Federal, embora seja possível vislumbrar outros possíveis passos para o governo daqui para frente.
A título de exemplo, controvérsia similar havia sido firmada no passado em relação à inclusão do ICMS e de outros valores na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, na sua modalidade incidente sobre operações de importação. Trata-se de controvérsia conceitual bastante distinta; mas, no que importa para o presente comentário, o STF decidiu, à época, que o ICMS-importação deveria ser excluído da base de cálculo das contribuições.
A reação do governo federal foi praticamente imediata: elevação das alíquotas do PIS/COFINS-Importação para contrabalancear a diminuição de sua base de cálculo.
Não seria surpreendente, portanto, movimento do governo federal no mesmo sentido no presente caso. Lembramos, de todo modo, que a eventual majoração de alíquota das contribuições federais pressuporia, ao menos, o prazo de noventa dias para produção de efeitos, além da natural tramitação nas casas legislativas em um cenário pouco favorável à majoração de tributos.
Oportunidade para os contribuintes
Além dos impactos diretamente decorrentes da decisão em comento, seja quanto à possibilidade de recuperação de valores pagos indevidamente ou a diminuição do ônus fiscal sobre as receitas das empresas daqui para frente, fato é que existem outros caminhos a serem analisados pelos contribuintes.
Como mencionado acima, a legislação da contribuição ao PIS e da COFINS determina a inclusão, na base de cálculo das contribuições, não apenas do ICMS, mas de outros tributos incidentes sobre vendas. É o caso do ISS. A controvérsia, talvez não tão amadurecida quanto a do ICMS, é muito similar: pode o valor do imposto municipal ser considerado como componente da receita da empresa? E quanto ao valor das próprias contribuições, igualmente incluído na base do PIS/COFINS pela legislação?
Ampliando um pouco mais a discussão, ao se considerar que o cerne das discussões é o conceito de “receita” para fins tributários, seria o caso de se analisar, também, o alcance de outras normas tributárias que ampliam esse conceito, como a legislação do lucro presumido, para fins dos tributos sobre a renda, da contribuição previdenciária patronal sobre receita etc. – que ainda incluem na apuração dos tributos pertinentes impostos como o ICMS e outros tributos sobre vendas.
Em suma, a decisão do STF, embora tenha chegado com algum atraso, pode abrir importante leque de oportunidades para os contribuintes. Cabe às empresas analisar, caso a caso, como a matéria em questão pode influenciar seus negócios e possibilitar a discussão de outras teses tributárias no âmbito judicial.
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