Assim como as riquezas em geral recebidas por contribuintes sujeitos a tributos no Brasil, também as heranças e doações devem suportar a carga fiscal imposta pela nossa legislação.

E, como não poderia deixar de ser, considerando nosso sistema tributário, há uma série de controvérsias aplicáveis nesses casos, especialmente se tratando de patrimônio com origem fora do Brasil. Comentamos a seguir algumas delas, aplicáveis a beneficiários pessoas físicas no país.

Para fins dos comentários abaixo, lembramos que heranças e doações (recebidas do exterior ou não) ficam sujeitas a basicamente dois tributos: o imposto sobre transmissões causa mortis e doações (“ITCMD”); e o imposto de renda das pessoas físicas (“IRPF”).

Imposto sobre heranças e doações

O ITCMD é um imposto estadual, ou seja, embora tenha alguns de seus parâmetros definidos por legislação nacional (como a alíquota máxima, por exemplo), cada Estado possui certa margem de liberdade para definir suas principais características.

Uma questão bastante controversa diz respeito à incidência do ITCMD no caso de doações e heranças recebidas do exterior. Isso porque, segundo a Constituição Federal, cabe à lei complementar disciplinar a incidência do imposto se (i) o doador tiver domicílio ou residência no exterior; (ii) o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.

Nesses casos, a disciplina por meio de lei complementar permitiria, por exemplo, evitar situações de conflito de competência, com distintos Estados exigindo o imposto sobre uma única doação ou herança – por exemplo, a doação, por residente no exterior, de um veículo localizado no Estado de São Paulo a beneficiário no Rio Grande do Sul.

Ocorre que essa lei complementar nunca foi editada; mas, mesmo assim, os Estados e o Distrito Federal buscam exigir o ITCMD nessas hipóteses.

Em São Paulo, por exemplo, já existe posição consolidada do Tribunal de Justiça no sentido de ser inconstitucional a exigência do ITCMD sobre doações e heranças provenientes do exterior. Isso não impede o Estado, contudo, de manter a previsão legal de incidência e promover autuações nos casos em que o imposto não for recolhido pelos contribuintes.

STF começa a discutir o tema

Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal (“STF”) iniciou, em 22 de outubro de 2020, o julgamento do Recurso Extraordinário nº 851.108, movido pelo Estado de São Paulo, em que se discute o tema. Até agora, votou o relator, Ministro Dias Toffoli, acompanhado pelo Ministro Luiz Edson Fachin. Por enquanto, prevalece o entendimento pela inconstitucionalidade da exigência do ITCMD pelos Estados enquanto não editada a lei complementar prevista na Constituição Federal.

No entanto, os dois ministros defenderam a modulação de efeitos da decisão do STF, de modo que somente teria efeito para fatos geradores que ocorrerem após a publicação do acórdão. O STF vem adotando essa medida em discussões que possam representar perdas econômicas muito expressivas aos cofres públicos, principalmente pela possibilidade de pedidos de restituição dos tributos pagos pelos contribuintes nos cinco anos antecedentes.

Trata-se de postura criticável do tribunal, visto que legitima os entes públicos a editarem normas inconstitucionais, beneficiando-se do produto da inconstitucionalidade enquanto tais normas permanecerem válidas.

O julgamento foi suspenso depois de pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes.

Imposto de Renda

No que diz respeito ao IRPF, imposto federal, um primeiro ponto a ser considerado é que o recebimento de heranças e doações por pessoas físicas no Brasil, mesmo quando originárias do exterior, é isento do imposto.

Vale ressaltar que, atualmente, a isenção não é estendida a doações de fonte brasileira a beneficiários no exterior, que sofrem a retenção na fonte do imposto.

Embora a isenção como regra geral não devesse gerar maiores controvérsias, há situações nas quais a caracterização como herança ou doação não é tão evidente. É o caso, por exemplo, dos recebimentos oriundos da figura do “trust” no exterior.

O trust é instituto sem previsão na legislação brasileira, sendo possível defini-lo, de maneira breve, como uma modalidade contratual na qual o instituidor, dono do patrimônio, cede seus bens (total ou parcialmente) para a administração por um terceiro, sob a orientação e conforme as vontades do instituidor. Com o seu falecimento, os bens (ativos financeiros, por exemplo) são entregues aos beneficiários indicados pelo instituidor. Há distintas formas de se instituir um trust, com características que o aproximam, em maior ou menor grau, de um instrumento sucessório.

A princípio, o recebimento dos bens e investimentos alocados em um trust muito se assemelha a uma herança, por exemplo. Não foi esse o entendimento da Receita Federal do Brasil (“RFB”), contudo, conforme entendimento manifestado na recente solução de consulta Cosit nº 41/2020.

Na referida solução de consulta, a RFB adotou o entendimento de que os rendimentos distribuídos a partir de patrimônio deixado em trust por instituidor já falecido ensejariam a incidência do IRPF para a beneficiária do trust, por se tratar de rendimentos em geral auferidos no exterior, e não de herança ou doação. Vale destacar que a RFB não tratou do tema de forma aprofundada, tampouco tendo havido grande detalhamento dos fatos, embora a consulta indique uma primeira interpretação do fisco sobre o tema.

No pior cenário, o recebimento do patrimônio pelo beneficiário do trust poderia ser entendido como rendimento tributável pela RFB e como herança pelo fisco estadual, sujeita ao ITCMD, levando inclusive a possível cenário de bitributação.

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Em síntese, não é tão simples definir a tributação aplicável sobre heranças e doações provenientes do exterior. Identificar ou prever a carga fiscal aplicável, bem como adotar os instrumentos jurídicos mais adequados, mostra-se essencial para o adequado planejamento sucessório e para reduzir riscos de questionamento por parte do fisco brasileiro.

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