De 285 casos analisados em quase 20 anos, apenas três foram totalmente rejeitados
O número total de operadoras de planos de saúde vem caindo no país, com movimento constante de aquisições entre as empresas. A queda foi de 47% entre 2011 e 2020, quando a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) encerrou o ano registrando 711 empresas. Os dados constam de um estudo do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade), que passou a olhar com mais atenção os possíveis efeitos negativos ao ambiente concorrencial da integração vertical entre operadoras de planos de saúde e hospitais.
Isso ocorre quando uma operadora de plano de saúde compra hospitais, por exemplo. Segundo uma fonte do Cade, a tendência é o órgão ficar mais rigoroso nas análises porque o mercado está se tornando cada vez mais concentrado e a expectativa é que mais operações aconteçam em 2022.
O movimento de concentração nos mercados de saúde começou a ser registrado no Cade em 2001, com a aquisição da carteira de beneficiários de seguro-saúde do banco HSBC. Mas foi só a partir de 2007 que o órgão observou um aumento significativo do volume de casos. De 2008 a 2012, ocorreram os primeiros picos de notificações de atos de concentração. Mas de 285 casos analisados pelo órgão em quase 20 anos, apenas três foram totalmente rejeitados.
Não se trata apenas de operações entre empresas concorrentes: a integração vertical é um dos aspectos mais discutidos nas análises de ato de concentração dessa área, segundo o Cade. Isso foi detectado em 51% dos 285 atos de concentração. Ainda assim, embora tenham sido citadas para impor condições à aprovação de algumas operações, possíveis consequências negativas da integração vertical entre operadoras de planos de saúde e hospitais serviram de justificativa para o Cade rejeitar apenas uma operação.
No órgão, existe a discussão se a verticalização pode restringir a competição no mercado, dificultando a entrada de novas empresas ou que clínicas já estabelecidas conseguem continuar atuando. Por outro lado, para o advogado e professor da Universidade Mackenzie Vicente Bagnoli, ela pode permitir que preços menores sejam repassados aos beneficiários.
Rubens Granja, sócio da área de saúde do escritório Lefosse, a consolidação no setor também tem gerado a integração de produtos e estruturas hospitalares, oferta de soluções tecnológicas, e de uma gama mais ampla de planos e serviços. Ele cita alguns percalços, como o descredenciamento de serviços, muitas vezes resultado da verticalização, e realocação de planos, mas diz que não identificou aumento expressivo de reclamações de consumidores. O monitoramento da Agência Nacional de Saúde (ANS) ajuda a manter a eficiência do setor e a proteger o usuário, argumenta.
Já os advogados que atendem pacientes criticam a verticalização. Com as fusões, as operadoras também podem fazer a verticalização dos serviços, o que pode ser prejudicial para os clientes, de acordo com Patricia Akitomi da Rocha, advogada especializada em direito médico hospitalar. Um exemplo mencionado por ela é o do descredenciamento de clínicas e serviços que o usuário utilizava antes da mudança na empresa.
Em casos em São Paulo, Brasília e Minas Gerais a advogada já verificou problemas que clientes enfrentaram com descredenciamento após fusões. Há casos em que o paciente faz o tratamento oncológico e este muda de lugar depois de uma fusão. Segundo a advogada, o Judiciário não costuma conceder liminar ao usuário, se o novo lugar fornecer o mesmo tipo de tratamento.
“A concentração do setor pode ser muito maléfica ao paciente, que se verá no centro de um conflito de interesse, em que o interesse econômico tende a se sobrepor sobre o interesse médico”, diz o advogado Luiz Antonio Varela Donelli, sócio do escritório Donelli e Abreu Sodré Advogados (DSA), para quem a verticalização causa uma dificuldade enorme para as clínicas e médicos independentes.
Marcos Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), observa que a oferta de produtos (tipos de plano de saúde) aumentou, mesmo com a redução no número de operadoras. “Havia pouca oferta de produto. Agora tem regional, municipal, cobrindo uma rede ou médico de família”, exemplifica. Ele destaca também que, apesar da redução, ainda há mais de 700 operadoras de planos de saúde no país. “É difícil falar em concentração nesse mercado. Nenhum player tem mercado relevante considerável”, afirma, complementando que a consolidação representa um ganho de eficiência.
Para ele, existe espaço para mais operações no setor. Isso porque existem startups no mercado e há muita mudança de operadora de plano de saúde por parte dos beneficiários, de cerca de 2% das carteiras por mês.
Na última década, os planos médicos (com ou sem cobertura odontológica) tiveram aumento de 3,5%, passando de 45,54 milhões de beneficiários, em 2011, para 47,11 milhões, em 2020. Uma ligeira queda em relação ao ponto mais alto, em 2015, quando foram ultrapassados os 50 milhões.
Segundo a Abramge, as 11 maiores operadoras respondem por 41,48% dos beneficiários de planos de saúde do país, ficando os restantes 58,52% distribuídos entre as demais 700 operadoras registradas pela ANS. Os dados são de setembro de 2021: Bradesco Saúde tinha 6,72% do mercado, seguida pela Notre Dame Intermédica com 6,57%, a Amil com 6,08%, Hapvida com 5,76% e a Sul América com 3,99%.
Procuradas, Bradesco Saúde, Hapvida, Sul América e Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) não quiseram se manifestar. As demais empresas, a Associação Médica Brasileira (AMB) e a ANS não se pronunciaram.