No último mês de agosto, as Ilhas Virgens Britânicas (BVI), território submetido à Coroa Britânica, aprovaram uma série de alterações na legislação que rege as sociedades no país, que entrarão em vigor em 01 de janeiro de 2023. O objetivo foi modernizar a legislação local para alinhá-la às regras adotadas em diversos países do mundo e buscar as melhores práticas. Apesar de permanecer sendo um paraíso fiscal, BVI tem tomado diversas medidas para atender à demanda de transparência nas informações em razão da grande pressão internacional, mas pretende continuar sendo um centro global de operações financeiras.

Em termos de obrigações recorrentes, a principal alteração foi a necessidade de apresentação anual das demonstrações financeiras, sobre as quais em breve devem sair instruções locais acerca do formato. Mas é importante que os investidores brasileiros que possuam participação em sociedades no território fiquem atentos às modificações na legislação local e coloquem em seus calendários as novas obrigações anuais.

 

1. Diretores (Directors)

Até antes dessa alteração, apesar de haver a necessidade de registro dos Directors perante o agente registrador local (registered agent), essa informação não estava disponível a terceiros e só era possível de ser obtida mediante ordem judicial ou por uma autoridade reguladora competente. A partir do próximo ano, ficará disponível, mediante solicitação e somente para usuários registrados em um sistema local, uma lista dos atuais diretores de uma sociedade sediada nas Ilhas Virgens Britânicas. Apesar de parecer uma alteração simples, é uma mudança bastante relevante, já que muitas vezes a decisão de abrir uma sociedade em um paraíso fiscal se dá também em decorrência da discrição no tratamento das informações. De todo modo, detalhes incluídos no registro de diretores (como endereço, ocupação, data de nascimento ou qualquer informação mais sensível) não estarão disponíveis publicamente, o que ajuda a manter certo grau de sigilo.

Importante ressaltar que os nomes dos diretores que renunciaram não serão incluídos na lista pública de diretores da sociedade, apenas os diretores ativos serão listados, assim, se houver preocupação com relação a esse ponto, ainda há tempo de alteração da administração. Inclusive, é possível contar com profissionais qualificados para o serviço de administrador no território.

 

2. Liquidação (Liquidation)

Em caso de liquidação de uma sociedade com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, será necessária a nomeação de um liquidante voluntário residente no território. Em caso de atuação conjunta de dois liquidantes voluntários, um deles deve ser residente em no território, contudo, o outro poderá ser residente em outra jurisdição, por exemplo, em um país onde a empresa tenha operações comerciais. Essa regra não se aplica para liquidantes nomeados antes de 01 de janeiro de 2023. A situação deve encarecer os procedimentos, já que muitas vezes se mantinha o administrador para a liquidação e a partir do próximo ano será necessária a contratação de um liquidante local, que deve atender aos requisitos abaixo, então precisará ser um profissional qualificado.

Além disso, os indivíduos nomeados como liquidantes deverão ter um período mínimo de experiência em liquidação, competência profissional para liquidar a empresa e uma qualificação profissional apropriada ou possuir uma licença de administrador de insolvência emitida por uma comissão das Ilhas Virgens Britânicas.

Os liquidantes voluntários terão a obrigação de coletar os registros mantidos pela sociedade nos termos da legislação local e enviar cópias desses registros ao ex-registered agent da sociedade ao final da liquidação.

 

3. Ações ao Portador (Bearer Shares)

O conceito de ações ao portador deixará de existir. Qualquer ação ao portador existente em 01 de janeiro de 2022 deverá ser resgatada pela sociedade ou convertida em ação nominativa. Em 2004, quando também houve uma alteração grande na legislação nas Ilhas Virgens Britânicas, as ações ao portador passaram a ter características bem diferentes das anteriores, pois deixaram de ter dois de seus principais atributos: (i) que o titular do certificado de ações (portador físico) era considerado como um acionista da empresa e titular dos direitos a ela inerentes; e (ii) a transferência de propriedade de uma ação ao portador se dava anteriormente pela entrega do certificado de ações ao portador físico.

A legislação passou então a prever um agente custodiante que deveria ter a posse dos certificados de ação, não sendo mais entregue o certificado ao seu beneficiário. Nesse momento já se restringiu bastante a circulação das ações ao portador e passou a haver um controle de sua titularidade, mas ainda era possível a sua emissão. Agora elas deixam de existir e todos os acionistas precisarão estar registrados perante o registered agent da sociedade, isso pode requerer uma revisão de algumas estruturas atuais.

 

4. Sociedades cassadas ou em dissolução

Foram simplificadas as regras existentes e o processo de restauração para empresas cassadas ou dissolvidas tornou-se mais ágil. Atualmente, uma empresa pode ter registro anulado pelo registered agent por vários motivos, dentre os quais, não nomear um agente registrador ou falta de pagamento da taxa de licença anual — sendo este o motivo mais comum.

Anteriormente, uma sociedade cassada podia manter o seu status legal, mas não podia realizar negócios de forma alguma, isso pelo prazo de sete anos. E somente se a empresa não fosse reintegrada ao registro local durante esse período de sete anos após o cancelamento, ela era dissolvida. De acordo com as novas alterações não há mais esse período de sete anos, de modo que as empresas cassadas serão dissolvidas imediatamente. Para as empresas já canceladas e ainda não dissolvidas, serão aplicadas disposições transitórias.

Em contrapartida, as alterações trouxeram um novo procedimento mais simples para as sociedades requererem a sua reintegração, após terem sido dissolvidas. Atualmente isso é possível apenas por procedimento judicial, e passará a ser possível a solicitação direito ao registered agent, se cumpridos alguns requisitos locais e se ocorrer no prazo de cinco anos da data de sua dissolução.

 

5. Demonstrações Financeiras Anuais

As sociedades com sede nas Ilhas Virgens Britânicas passarão a ser obrigadas a apresentar uma declaração financeira anual ao registered agent. A legislação não traz detalhes do formato, mas a expectativa é que seja necessário apresentar um balanço patrimonial e demonstração de receitas e despesas. Não há exigência de auditoria.

Os diretores de cada sociedade serão responsáveis pelo arquivamento das demonstrações financeiras junto ao registered agent e terão um prazo de nove meses contados do final do exercício civil/fiscal da sociedade, sendo a primeira exigida com relação ao exercício de 2023 (com arquivamento em 2024). As demonstrações financeiras arquivadas não serão públicas. O registered agent terá a obrigação de relatar apenas se a empresa não apresentar as demonstrações financeiras anuais.

Existem isenções aplicáveis para sociedades listadas ou regulamentadas pela legislação local de serviços financeiros.

Essa alteração traz a necessidade de uma manutenção anual das sociedades. Muitas vezes isso acabava não ocorrendo e os acionistas apenas movimentavam a sociedade em momentos chave. A partir de 2024, o envio dessa informação deverá ser feito de forma anual, o que pode acabar resultando em um custo anual um pouco mais elevado para quem possui uma sociedade no território. Por outro lado, a alteração não modificou a possibilidade de a contabilidade ser feita por contadores de outros países.

 

 

*Suzana Camarão Cencin Castelnau é sócia do escritório Donelli e Abreu Sodré Advogados – DSA

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