A tributação aplicável a doações e heranças no Estado de São Paulo pode sofrer grandes alterações no futuro próximo, com impactos, especialmente, a planejamentos patrimoniais e sucessórios. Neste sentido, recentes Projetos de Lei preveem mudanças profundas na disciplina do imposto sobre transmissões causa mortis e doações (“ITCMD”).

O primeiro deles é o Projeto de Lei nº 529/2020 (“PL 529/2020”), que pretende introduzir uma ampla reforma tributária e administrativa na legislação paulista. O segundo, mais voltado ao próprio ITCMD, é o Projeto de Lei Estadual nº 250/2020 (“PL 250/2020”). Ambos foram elaborados a pretexto de combater os efeitos da pandemia do novo coronavírus à economia paulista. Vale mencionar que o PL 529/2020 é de autoria do próprio Governo do Estado, enquanto o PL 250/2020 foi proposto pelos Dep. Estaduais Paulo Fiorilo e José Américo (PT-SP).

A seguir comentamos as possíveis alterações previstas nesses projetos, que incluem aumento de alíquotas, majorações da base de cálculo e alteração do tratamento conferido a doações com reserva de usufruto.

Alíquota – tributação progressiva

Hoje, o ITCMD paulista é cobrado à alíquota de 4% sobre a base de cálculo aplicável. Vale ressaltar que tal alíquota é menor que a praticada em outros Estados – em alguns deles (Santa Catarina, Rio de Janeiro, Distrito Federal, por exemplo), cobram-se alíquotas progressivas de até 7 ou 8%, a depender do montante doado / herdado ou mesmo do grau de parentesco entre doador / de cujus e o receptor do montante. A alíquota de 8% é a máxima permitida pelo Senado Federal (Res. 9/1992), embora existam projetos para aumentar esse teto.

O PL 250/2020, caso aprovado, modificará a alíquota do ITCMD, tornando-a progressiva. Na redação atual do projeto, é prevista uma faixa de isenção para doações de até, no máximo, montantes equivalentes a 2.500 UFESPs (aprox. R$ 69 mil) ou, no caso de heranças, 10.000 UFESPs (aprox. R$ 276 mil). Acima desses montantes, serão aplicáveis alíquotas de 4 a 8%, com algumas diferenças entre transmissões por herança ou doação. A alíquota de 8% é prevista para doações ou heranças em montante superior a 90.000 UFESPs (aprox. R$ 2,5 milhões).

Vale destacar que a alteração de alíquota proposta no referido projeto não encontra previsão similar no PL 529/2020.

Base de cálculo – quotas ou ações sem negociação em bolsa

Os projetos em discussão preveem a alteração da base de cálculo do ITCMD aplicável para alguns casos, merecendo destaque o caso da doação de participações societárias não cotadas em bolsa.

Hoje, a doação de ações (sem negociação em bolsa), quotas ou outros títulos representativos do capital social tem por base de cálculo o valor de patrimônio líquido desses bens – que pode ser consideravelmente inferior ao valor de mercado, por exemplo. A prevalecerem os projetos em questão, a regra passará a ser de se tributar tais itens pelo seu valor patrimonial, “ajustado pela reavaliação dos ativos e passivos ao valor de mercado na data do fato gerador”. Na prática, significa dizer que o valor patrimonial será alterado para refletir o valor de mercado dos ativos transferidos, o que deve, em muitos casos, representar aumento na carga fiscal.

Oneração de doações com reserva de usufruto

Outro ponto polêmico trazido pelos projetos diz respeito à tributação de doações efetuadas com reserva de usufruto, amplamente utilizadas em estruturas de planejamento patrimonial e sucessório, em que, por exemplo, os pais fazem doações aos filhos (de imóveis, participações societárias etc.) reservando a si o gozo dos bens doados mediante usufruto.

Pela legislação atual, o usufruto é tributado pelo ITCMD à razão de 2/3 no momento da doação e, com a extinção do usufruto, é devido o 1/3 restante. Com a redação proposta, o ITCMD já será integralmente devido quando da formalização da doação com reserva de usufruto.

Incidência sobre a transmissão de planos PGBL e VGBL

Por fim, destaca-se que, nos termos do PL 529/2020, passará a sofrer incidência do ITCMD a transmissão por herança ou doação de valores e direitos atrelados a planos de previdência complementar, tais como PGBL e VGBL. Hoje, esse tipo de transmissão não é alcançado pelo imposto.

Conclusão

Curiosamente, os dois projetos em análise foram propostos sob o mesmo fundamento, i.e., busca de recuperação de receitas estaduais ante a pandemia, mas um deles (mais abrangente) encaminhado pelo Governo do Estado e outro por partido de oposição. O movimento reflete uma constante em tempos de crise econômica, qual seja, a busca por aumento na arrecadação tributária, às custas dos contribuintes, independentemente do espectro político.

De toda forma, o aumento na tributação de heranças e doações, que já representa ônus expressivo na legislação atual (mesmo porque onera o patrimônio transmitido, muitas vezes sem liquidez), pode ser apenas uma questão de tempo, principalmente considerando que, nos últimos anos, diversos Estados modificaram suas leis internas na mesma direção, observando-se tendência nesse sentido.

Deste modo, torna-se especialmente mais relevante, agora, que planejamentos patrimoniais e sucessórios envolvendo contribuintes em São Paulo levem em consideração os riscos de que possam gerar efeitos fiscais mais onerosos em futuro próximo.

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