Foram semanas de muita especulação, mas enfim a Americanas (AMER3) apresentou na última segunda-feira um plano para tentar se reerguer. A proposta ainda está longe de ser um consenso, mas, se for adiante, levará a mudanças significativas na varejista — do capital à operação.
Isto porque o plano prevê algumas opções para renegociação da dívida que, se forem seguidas, deixarão a empresa quase inteira nas mãos de Jorge Paulo Lemann, de seus sócios Beto Sicupira e Marcel Telles, e dos bancos credores.
A proposta conta com um aumento de capital de R$ 10 bilhões dos atuais acionistas e dá a possibilidade de os credores fazerem o mesmo, recebendo ações em troca da dívida.
Lemann, Telles e Sicupira já se comprometeram a entrar com todo o dinheiro novo na Americanas caso os demais acionistas não queiram participar da capitalização. Mas é improvável que eles façam isso se não houver a contrapartida dos credores.
O Seu Dinheiro fez então um exercício para calcular como ficaria o cenário após a execução do plano. Para isso, estipulamos as seguintes premissas:
- Preço por ação: R$ 1,50 (estimativa conservadora, dado que a ação negocia na casa de R$ 1,00 atualmente);
- Nenhum minoritário acompanha o aumento de capital (eles têm o direito de fazer isso, mas não devem exercer);
- O trio de acionistas de referência coloca R$ 10 bilhões, enquanto os bancos e credores capitalizam a empresa com mais R$ 10 bilhões em créditos.
Dessa forma, haveria uma enxurrada de 13,3 milhões de novas ações AMER3 no capital. Os acionistas de referência ficariam com 48,74% da empresa, enquanto os bancos ficariam com 46,83%. Apenas 4,43% dos papéis estariam nas mãos de outros acionistas. Veja:
CAPITAL SOCIAL ANTES DA CAPITALIZAÇÃO
Quantidade de ações | % do capital | |
Acionistas de Referência | 271.834.960 | 30,12% |
Outros | 630.694.543 | 69,88% |
Total | 902.529.503 | 100,00% |
CAPITALIZAÇÃO
Acionistas de Referência | Capitalização de R$ 10 bi a R$ 1,50/ação | 6.666.666.667 ações |
Bancos e credores | Capitalização de R$ 10 bi a R$ 1,50/ação | 6.666.666.667 ações |
CAPITAL SOCIAL DEPOIS DA CAPITALIZAÇÃO
Quantidade de ações | % do capital | |
Acionistas de Referência | 6.938.501.627 | 48,74% |
Bancos | 6.666.666.667 | 46,83% |
Outros | 630.694.543 | 4,43% |
Total | 14.235.862.836 | 100,00% |
Os valores finais tanto da capitalização como do preço por ação nessa operação ainda vão depender das negociações de Lemann e seus sócios com os credores. Ou seja, essa é apenas uma simulação com base nas premissas básicas do plano, que ainda deve passar por muitas mudanças.
Aliás, as conversas após a apresentação da proposta já dão conta de que os bancos estão pressionando os sócios de referência a aumentar o valor a ser capitalizado.
O desenho final do plano pode considerar também uma conversão menor da dívida em capital, o que reduziria a diluição dos minoritários por um lado, mas aumentaria proporcionalmente a fatia de Lemann e seus sócios na Americanas.
Processo deve se arrastar
A queda de braço da Americanas com os bancos indica que o processo de recuperação judicial deve ser longo e sofrido, de acordo com especialistas e fontes que acompanham o caso que o Seu Dinheiro ouviu na última semana.
Desde que a varejista revelou as “inconsistências contábeis”, em janeiro deste ano, os bancos foram implacáveis ao antecipar o vencimento das dívidas da companhia e judicializar o caso. A Americanas então correu para pedir proteção legal e, na sequência, entrou em recuperação judicial, com dívidas de mais de R$ 40 bilhões.
De lá para cá, boatos e fatos marcaram o imbróglio. Dentre os mais recentes está a visão de que o plano de recuperação apresentado não atende às demandas dos credores..
“Esse plano representa pouco, é uma etapa formal do processo e não mostra o estado em que as negociações estão de fato”, afirmou Adriano Casarotto, gestor de crédito da Western Asset. Ele acredita que a Americanas apresentará um novo plano até o final de junho, que é o prazo que os credores têm para votar a aprovação (ou não) do plano atual.
E, se a recuperação judicial da Americanas correr de forma semelhante à de outra empresa conhecida do noticiário de recuperação, a Oi (OIBR3), o mercado deve se preparar para alguns anos de briga.
Segundo Renato Leopoldo e Silva, responsável pela área de Contencioso Empresarial Cível, Recuperação de Empresas e Arbitragem do escritório DSA Advogados, o principal desafio de um processo como esse é que a empresa seja capaz de equilibrar o andamento da recuperação em si enquanto mantém suas atividades normalmente.
E foi justamente aí que a Oi escorregou: enquanto buscava uma solução para resolver seus problemas financeiros que envolviam uma dívida de R$ 65 bilhões, a operadora acabou fazendo novas dívidas para continuar funcionando.
“Não são só os créditos dentro do plano que a Americanas precisa resolver, a grande questão é ter fôlego para tudo o que ainda surge depois da recuperação judicial porque a empresa precisa continuar funcionando, fechando novos contratos e isso passa por fazer novas dívidas”, explica o advogado.
“Eles [os bancos] são os principais credores, então eles têm mais voz ativa nessa negociação. Por isso acredito que a proposta apresentada nesta semana deve sofrer alterações, caso contrário ela pode nem ser aprovada”, diz Fernando Ferrer, analista da Empiricus Research.
E como pode ser o futuro da Americanas (AMER3)?
A aprovação do plano de recuperação judicial não significa vida nova e sem entraves para nenhuma empresa, já que a conta é mesmo bem difícil de fechar. Mas, segundo analistas, caso a Americanas (AMER3) saia viva desse processo, ela definitivamente não será como antes.
A expectativa é que daqui a alguns anos ela seja uma loja muito menor, voltada para a venda de artigos de baixo valor. Ou seja, o “sonho grande” de brigar com os grandes players do setor, como Amazon, Mercado Livre e Magazine Luiza, deve virar apenas uma paisagem no retrovisor da história da Americanas.
Além do próprio processo de recuperação em si, o contexto macroeconômico de juros altos e inflação não colabora com a varejista, que depende muito de crédito para se financiar e também para que seus consumidores tenham condições de fazer compras de maior valor.
Ou seja: daqui a alguns anos, pode ser que você passe por uma Americanas e já não veja ofertas de televisores de 55 polegadas ou do modelo mais recente do Playstation, somente itens para a casa e promoções de biscoitos — exemplos do sonho grande de Jorge Paulo Lemann e seus sócios que vai virando pó.