por: Luiz Antonio Varela Donelli e Carolina W. Machado
Entrou em vigor no dia 20 de setembro de 2019 a denominada “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica” (“Lei nº 13.874”), decorrente da conversão da Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019 (“MP nº 881”).
As novas regras buscam reduzir a burocracia nas atividades econômicas, bem como estabelecer garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, dentre outras providências relacionadas. Representou, portanto, uma das primeiras grandes medidas com um viés liberal produzida pela equipe econômica do Ministro Paulo Guedes.
A finalidade da Lei nº 13.874 é, em suma, facilitar a abertura de empresas, principalmente de micro e pequeno porte, dando mais segurança jurídica aos negócios e estimulando a criação de empregos. A perspectiva é que tal medida gere, no prazo de 10 (dez) anos, 3.700.000 (três milhões e setecentos mil) empregos e mais de 7% (sete por cento) de crescimento da economia brasileira.
Com o objetivo, portanto, de fomentar o cenário de empreendedorismo no país, foram realizadas uma série de mudanças na legislação brasileira, de modo a possibilitar que os negócios jurídicos celebrados no país se tornem cada vez mais eficientes e acessíveis, conforme se verificará ao longo do presente artigo.
Flexibilização da Legislação Trabalhista
- Dispensa do registro de ponto para empresas com até 20 (vinte) empregados (Art. 15, referente ao art. 74, Parágrafo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”));
- Dispensa de alvarás de funcionamento para o exercício de atividades de baixo risco (Art. 3º, inciso I);
- Substituição, em nível federal, do Sistema de Escrituração Digital de Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (“E-Social”), que unificava o envio de dados de trabalhadores e de empregadores, por um sistema simplificado de escrituração de informações digitais relacionados às obrigações previdenciárias, trabalhistas e fiscais (Art. 16); e
- Emissão de novas Carteiras de Trabalho pelo Ministério da Economia, que ocorrerá “preferencialmente” em meio eletrônico, sendo que o número do CPF/MF do empregado servirá como forma de identificação única. A impressão de Carteiras de Trabalho em papel será realizada apenas de forma excepcional (Art. 15, referente ao art. 14 da CLT).
Livre Definição do Preço (Art. 3º, inciso III)
Os empreendedores terão, em mercados não regulados, o direito da livre definição de preço com relação aos seus produtos e serviços.
Cumprimento Obrigatório dos Prazos pelas Autoridades Públicas (Art. 3º, inciso IX)
Os empreendedores terão a garantia de que, nas solicitações de atos públicos relativos à liberação das atividades econômicas, uma vez transcorrido o prazo máximo estipulado para a análise do respectivo pedido (que será previamente informado ao interessado), o silêncio da autoridade competente importará na sua aprovação tácita, para todos os efeitos, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei.
Abuso do Poder Regulatório (Art. 4º)
O artigo 4º da Lei nº 13.874 estabelece o conceito do “Abuso do Poder Regulatório”, de modo a impedir que o Poder Público edite regras que impeçam ou prejudiquem a exploração das atividades econômicas ou, ainda, obste o direito da concorrência. Dentre as situações que configuram tal prática, mencione-se as seguintes:
- A criação de reservas de mercado para favorecer um grupo econômico ou profissional, prejudicando os demais concorrentes;
- A instituição de normas que impeçam a entrada de competidores nacionais ou estrangeiros em um determinado mercado;
- A exigência de especificações técnicas desnecessárias para determinada atividade;
- A instituição de normas que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco;
- O aumento dos custos da operação sem que haja a devida demonstração dos benefícios correspondentes;
- A criação de demanda artificial ou forçada de produtos e serviços, inclusive relativa ao uso de cartórios, registros ou cadastros; e
- A introdução de impedimentos para a livre formação de sociedades empresariais ou para o desenvolvimento de atividades econômicas.
Redefinição do Conceito da Desconsideração da Personalidade Jurídica ( 7º, referente ao art. 50, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (“Código Civil”))
Os requisitos para que a personalidade jurídica de uma determinada empresa seja desconsiderada foram redefinidos. Reiterando o nexo de causalidade como pressuposto da desconsideração da personalidade jurídica, a MP nº 881 determinou que apenas os sócios “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso” serão atingidos pelos efeitos do referido instituto.
Ademais, Lei nº 3.874 retirou do texto original (art. 50 do Código Civil) a exigência de se comprovar o dolo específico daquele que, por meio da pessoa jurídica, perpetrou o ato abusivo.
Exatamente para ressaltar esta perspectiva objetiva que o conceito da desconsideração da personalidade jurídica busca com o advento da Lei nº 13.874, foi inserido ao artigo 50 o Parágrafo Primeiro, que define desvio de finalidade, bem como seu Parágrafo 2º, que define confusão patrimonial, conforme se verifica abaixo, na versão consolidada de referido artigo (grifos nossos):
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.”
Negócios Jurídicos em Geral (Art. 7º, referente ao art. 113, Parágrafo 2º, do Código Civil)
As partes de um determinado negócio jurídico poderão definir livremente a sua respectiva interpretação, mesmo que esta seja diversa das regras originalmente previstas em lei.
O objetivo proposto, mais uma vez, é a garantia e o reconhecimento da liberdade contratual. É o que, inclusive, determinam os artigos 421 e 421-A, também modificados por referido Parágrafo 2º do art.113, transcritos abaixo (trechos mais relevantes devidamente realçados):
“Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.” (NR)
“Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.”
Possibilidade de Constituição de Sociedade Unipessoal (Art. 7º, referente ao art. 1052 do Código Civil)
A sociedade empresária limitada poderá ser constituída por apenas 01 (um) sócio, aplicando-se ao documento de constituição correspondente, no que couber, as disposições relativas ao contrato social.
Documentos Públicos Digitais (Art. 10º, referente ao art. 2º-A, Parágrafo 2º, da Lei nº 12.682, de 09 de julho de 2012 (“Lei nº 12.682”)
Documentos públicos digitalizados terão o mesmo valor jurídico e probatório que o documento original.
Súmulas Tributárias (Art. 13, referente ao art. 18-A da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002 (“Lei nº 10.522”)
Será formado um Comitê, composto por integrantes (i) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”); (ii) da Receita Federal do Brasil; e (iii) da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”), que terá poderes para editar súmulas, aplicáveis à administração pública federal, de tal modo que tais súmulas deverão vincular os atos administrativos, normativos e decisórios de referidas autoridades públicas.
Alterações na Lei de Registros Públicos (Art. 14, referente às alterações feitas à Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994 (“Lei nº 8.934”)
Os atos decisórios das Juntas Comerciais passarão a ser publicados em sites da rede mundial de computadores (“Internet”), e não mais no Diário Oficial do Estado e/ou no Diário Oficial da União (art. 31 da Lei nº 8.934).
Revogação integral dos incisos I e II do art. 32 (definição do conceito e dos documentos a serem contemplados pelo registro); Inserção dos seguintes Parágrafos, cujas redações buscaram simplificar e desburocratizar referido procedimento:
1º Os atos, os documentos e as declarações que contenham informações meramente cadastrais serão levados automaticamente a registro se puderem ser obtidos de outras bases de dados disponíveis em órgãos públicos.
2º O Ato do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração definirá os atos, os documentos e as declarações que contenham informações meramente cadastrais.
Liberdade de Mercado e Intervenção Mínima do Estado:
Revogação do inciso VIII do art. 35 (vedação do arquivamento dos “contratos ou estatutos de sociedades mercantis, ainda não aprovados pelo Governo, nos casos em que for necessária essa aprovação, bem como as posteriores alterações, antes de igualmente aprovadas” (grifos nossos).
O Parágrafo Único de mencionado art. 35 foi alterado para estabelecer que (i) o registro dos atos ocorrerá independentemente de autorização governamental prévia; bem como (ii) os órgãos públicos deverão ser informados pela Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (“REDESIM”) a respeito dos registros sobre os quais manifestarem interesse.
Vale lembrar que o REDESIM, instituído pela Lei Complementar nº 123/2006 e pela Lei Complementar nº 11.598/2007, busca a facilitação do registro dos atos, livre dos entraves burocráticos e mediante a incidência de tributação sintetizada, além de objetivar a proteção e o apoio do Estado às empresas de pequeno porte, às microempresas, microempresários e aos microempreendedores.
Com relação especificamente às sociedades por ações, a obrigatoriedade de arquivamento de acordo com o regime de decisão colegiada passou a ser aplicável apenas aos respectivos atos de constituição; sendo excluídos, portanto, as atas de assembleias gerais e todos os demais atos desta modalidade de sociedade empresária (exclusão da letra “a” do inciso I do art. 41);
As seguintes disposições, oriundas da Medida Provisória nº 876, de 13 de março de 2019 (“MP nº 13”), cuja vigência, aplicável ao contexto da Lei nº 8.934, havia sido originalmente encerrada, foram reintroduzidas na redação de referida Lei com o advento da Lei nº 13.874:
Parágrafo Único do art. 41, que dispõe acerca do prazo de 05 (cinco) dias para que a autoridade competente profira decisão acerca do arquivamento, sob pena do respectivo ato ser considerado efetivamente arquivado; e
Parágrafos Primeiro a Sexto do art. 42, que tratam sobre os principais aspectos relacionados às decisões singulares, incluindo (i) prazos para que a autoridade competente profira decisão acerca do arquivamento dos atos apresentados, sob pena de os atos serem considerados efetivamente arquivados; e (ii) casos de deferimento automático do registro do ato e respectivas consequências.
Como consequência direta de referidas alterações nos prazos para que as autoridades competentes profiram decisões acerca dos eventuais arquivamentos, o art. 43 da Lei nº 8.934 foi integralmente revogado.
Parágrafos Primeiro a Terceiro do art. 63, que tratam sobre os procedimentos relativos à autenticação de documentos, incluindo os casos em que a cópia de documento, autenticada na forma prevista em lei, dispensará nova conferência com o documento original.
Processo Revisional:
- A competência para analisar o Recurso, representativo da última instância administrativa, foi atribuída ao Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (“DREI”) (art. 44, inciso III e art. 47);
- O objeto do Pedido de Reconsideração passou a ser o seguinte: “obter a revisão de despachos singulares ou de Turmas que formulem exigências para o deferimento do arquivamento e será apresentado no prazo para cumprimento da exigência para apreciação pela autoridade recorrida em 3 (três) dias úteis ou 5 (cinco) dias úteis, respectivamente” (art. 45); e
- Vedação à delegação da capacidade decisória (revogação do Parágrafo Único do art. 47).
- Possibilidade de publicação de atos societários, quando exigida em lei, nas versões eletrônicas da respectiva folha do Diário Oficial (art. 54).
Portaria nº 529/2019. Registro de Demonstrações Financeiras de Sociedades Anônimas de Capital Fechado.
Sobre este assunto, importante mencionar a recente Portaria nº 529, emitida pelo Ministério da Economia em 26 de setembro de 2019, publicada no Diário Oficial da União de 30 de setembro de 2019, que determina que, a partir de 14 de outubro de 2019, a publicação dos atos de companhias fechadas e a divulgação de suas informações, quando exigidas em lei, serão feitas na Central de Balanços, que representa uma plataforma do Sistema Público de Escrituração Digital (“SPED”), instituído pelo Decreto nº 6.022, de 22 de janeiro de 2007. Não serão cobradas taxas para tal publicação e divulgação dos atos societários.
Vale lembrar que o SPED tem por objetivo a unificação das atividades de recepção, validação, armazenamento e autenticação de livros e documentos que integram a escrituração contábil e fiscal dos empresários e das pessoas jurídicas, inclusive imunes ou isentas, mediante fluxo único e computadorizado de informações.
A efetivação da publicação e divulgação dos atos societários ocorrerá mediante a certificação digital relativa à autenticidade dos documentos mantidos em sites da internet por meio de autoridade certificadora credenciada pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (“ICPBrasil”).
Não obstante o disposto, as companhias fechadas disponibilizarão tais publicações e divulgações em seus sites da internet. O próprio SPED permitirá a emissão de documentos que comprovem a autenticidade, a inalterabilidade e a data de publicação dos atos societários.
- Isenções de Preços relacionados aos Serviços de Arquivamento de Atos (art 55):
- Isenções se restringem aos casos definidos em lei; e
- É vedada a cobrança de preços pelos serviços relacionados aos arquivamentos dos documentos vinculados à extinção do registro do empresário individual, da empresa individual de responsabilidade limitada (“EIRELI”) e da sociedade empresária limitada.
- Possibilidade de arquivamento dos atos de constituição, alteração, transformação, incorporação, fusão, cisão, dissolução e extinção de registro de empresários e de pessoas jurídicas por meio de sistema eletrônico criado e mantido pela administração pública federal (art. 65-A).
Obs: Esse texto não constituí opinião legal ou recomendação jurídica e não tem o propósito de servir como recoendação para qualquer cliente ou terceiro. Caso necessite de esclarecimentos ou orientação jurídica, contate nossa equipe.