Por Eduardo de Abreu Sodré e Gilberto de Abreu Sodré Carvalho

A origem remota da empresa está no sistema contábil das partidas dobradas, usado desde o século XV, na Itália. Luca Pacioli estabeleceu os princípios e padrões da Contabilidade, em obra de 1494. A invenção da “pessoa-empresa”, ou seja, um patrimônio dirigido para um propósito econômico, foi decisiva para a evolução do capitalismo. O papel da teoria do direito na configuração da personalidade jurídica da pessoa-empresa é posterior à invenção contábil, e construída sobre essa.

A concepção da pessoa-empresa, com sua autonomia e vida própria, tem respondido à necessidade prática do seu acompanhamento externo pelo conjunto dos seus acionistas ou quotistas.

A invenção da empresa, ou seja, da atividade e meios empresariais como um ente à parte (o que historicamente devemos à Contabilidade) tem a utilidade de separar a participação no capital, de um lado, da propriedade empresarial como objeto, de outro. Ou seja, de distinguir os interesses dos investidores daqueles da empresa. Os dois tipos de interesse estão sempre em tensão.

Essas considerações são importantes na medida em que estabelecem que os acionistas ou quotistas não podem ter acesso à empresa e aos ativos de empresa diretamente, mas sim e apenas por meio de procedimentos formais como assembleias gerais ou reuniões de sócios cujas decisões são dirigidas ao gestor e colaboradores. Do mesmo modo, só recebem os lucros havidos pela empresa mediante regras próprias de distribuição, em que a lógica condominial dos investidores ou sócios é respeitada, na medida de suas participações e categorias de participação.

Os interesses dos investidores e os interesses da empresa muitas vezes entram em tensão.

Os interesses dos investidores se dirigem aos lucros a distribuir que se possam obter sobre a atividade da empresa e/ou à valorização das suas ações ou quotas. Em contraste, os interesses da empresa podem ser vistos como estando na sua vida, na sua sobrevida e no seu crescimento, bem como na superação intransigente dos concorrentes, o que é em si também uma prática de garantir a própria existência. Para tanto a empresa precisa de dinheiro (capital) e de desenvolver sua atividade do jeito mais afinado com os seus propósitos próprios, sem preocupar-se com as variações eventuais do valor das suas ações em bolsa ou de gerar lucros logo. Esse fenômeno é fácil de perceber-se na medida em que o invento contábil passa a ter, dentro de si, gestores, empregados e contratados visceralmente dependentes do andamento da empresa e do seu sucesso.

A “quase-disciplina” chamada Governança Corporativa teria como foco a proteção do mercado de ações e os investimentos de minoritários, no entanto não observa a empresa como entidade com seus próprios interesses.

Na visão mais comum dos acionistas ou quotistas, a empresa não tem vida própria a ser respeitada. Para eles, em geral, a empresa é uma série de procedimentos que devem resultar em lucro a ser apurado e distribuído aos sócios; quanto mais imediatamente houver mais lucro a distribuir melhor. Os acionistas estão fora da empresa e a observam como um objeto distante, do qual podem valer-se como entenderem. Podem vendê-la aos pedaços, se assim for mais interessante economicamente. Podem reduzir a velocidade e o volume de seu crescimento, podando investimentos e aumentando o caixa para distribuição.

Na visão dos acionistas em geral, a empresa é algo impermanente, algo que existe para satisfação dos próprios. Não tem existência própria; não é um ente. Entendê-la como entidade à parte e viva seria inadequado e perigoso, na medida em que isso determina mais responsabilidade no seu trato.

Assim o perfil do acionista comum é o de observador externo interessado nos resultados: seja a geração de lucro para distribuir, ou ainda, quando se trata do controlador a criação de oportunidades para obter vantagens através da empresa em proveito próprio.

Em notável contraste, do ponto de vista interno da empresa, sua autopercepção é a de existir autonomamente. Suas relações internas se energizam, interagem e se integram. Os gestores e colaboradores tendem a se relacionar em comunhão de propósitos na contextualidade da empresa; a sua utilidade e pertinência está nisso.

Isso, no entanto, não é tão verdadeiro quanto ao gestor principal. O CEO faz a interface entre os interesses dos investidores e os interesses da empresa. Conforme o seu “contrato de gestão” ele irá melhor proteger a empresa nos seus interesses ou melhor defender os interesses dos investidores. O CEO é o cuidador da “galinha dos ovos de ouro” que não pode ser morta e que só vale muito para venda quando tem ovos futuros a produzir, quem sabe de “platina” (e não mais de simples ouro) conforme a sinergia que possa estabelecer com os planos de seu novo dono.

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