O Ministério da Fazenda publicou uma nota na tarde desta 2ª feira (1º.mai.2023) com estimativas do impacto fiscal da MP (Medida Provisória) que cria tributações ao rendimento de aplicações financeiras no exterior de residentes no Brasil, além de bens e direitos objeto de trusts –empresas ou instituições do exterior cuja função é terceirizar a gestão de bens e direitos de uma pessoa ou grupo familiar. Eis a íntegra do comunicado (106 KB).
O potencial de arrecadação de 2023 a 2025 calculado pela pasta se aproxima das perdas previstas com a ampliação da faixa de isenção do IR (Imposto de Renda), estabelecida no mesmo texto.
No período, a nova tributação pode significar um aumento de R$ 13,59 bilhões em arrecadação, segundo o cálculo da Fazenda. Já o prejuízo com a correção da tabela do IR alcançaria R$ 15,35 bilhões.
O governo elevou a faixa salarial para isenção do IR de R$ 1.903,00 para R$ 2.640,00 por meio da MP 1.171, de 2023, publicada nesta 2ª feira no Diário Oficial da União. Eis a íntegra (194 KB).
O texto fixa a validade das novas regras para 1º de janeiro de 2024. Medidas provisórias têm poder de lei e entram em vigor no momento da publicação. No entanto, devem ser aprovadas pelo Congresso Nacional em 60 dias, prorrogáveis por mais 60.
No mesmo dia, durante um ato de centrais sindicais em São Paulo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reafirmou que, até o fim de seu mandato, pretende aumentar a isenção do Imposto de Renda a salários de até R$5.000,00.
Em relação às novas tributações, os ganhos de até R$ 6.000 ficarão isentos. De R$ 6.000 até R$ 50.000, a alíquota será de 15%. Acima de R$ 50.000, o imposto cobrado pela Receita será de 22,5%. Saiba mais nesta reportagem.
ano |
imposto sobre aplicações e truts no exterior |
correção da tabela do IR |
saldo |
2023 |
3,25 |
-3,20 |
0,05 |
2024 |
3,59 |
-5,88 |
-2,29 |
2025 |
6,75 |
-6,27 |
0,48 |
total |
13,59 |
-15,35 |
-1,76 |
fonte: Ministério da Fazenda
Igor Mauler Santiago, doutor em direito tributário e sócio-fundador do Mauler Advogados, entende que a intenção do governo busca “aproximar o tratamento dos investimentos no Brasil e no exterior, eliminando a vantagem tributária que hoje existe” em outros países.
“Mas há outras variáveis que pesam na alocação dos investimentos: rentabilidade, confiança nas instituições e etc, sobre as quais a MP não atua”, menciona Santiago.
Para Rosiene Nunes, sócia da área de tributação de pessoas físicas do Machado Associados, a nova arrecadação deve ser, em tese, maior que a perda causada pela correção da tabela do IR a longo prazo.
“Mas tudo irá depender de como esses contribuintes que investem no exterior irão se comportar diante dessa nova legislação. Para que haja mais arrecadação, será necessário que os investidores mantenham seus investimentos no exterior, o que não se pode garantir que irá ocorrer“, diz Nunes.
Ela considera que, a princípio, a nova regra vai funcionar como um desincentivo para a manutenção de trusts. Da mesma forma, o advogado Leonardo Freitas de Moraes e Castro, sócio na área tributária do VBD Advogados, vê a taxação como um claro desincentivo –que, na avaliação dele, reduz a competitividade do investidor brasileiro no exterior.
O advogado não considera como um argumento verdadeiro o de que o governo buscaria, com a medida, manter investimentos no mercado brasileiro com vistas a um aumento do PIB, e sim, a aumentar a arrecadação.
Castro entende também que o aumento deve, na verdade, superar as perdas trazidas com as mudanças na isenção do Imposto de Renda, e não manter a balança em “empate”, em termos de compensação. Ele esclarece que a progressão prevista na nova tributação já existe no sistema tributário brasileiro para ganhos de capital e é aceita, do ponto de vista da jurisprudência.
A advogada Suzana C. Cencin Castelnau, sócia da DSA Advogados, explica que a pessoa física no Brasil está acostumada a ser tributada só quando recebe algum valor, e nisso está o maior impacto causado com a nova regra.
“A MP faz com que a tributação dos bens no exterior passe a ser no regime de competência, o que significa que o pagamento do tributo não vai estar necessariamente atrelado a um recebimento de dinheiro pela pessoa física, que terá, de todo modo, que arcar com a tributação no Brasil“, menciona.
TRUSTS NO EXTERIOR
O governo tributará os bens e direitos objeto de trust no exterior, que é uma forma de administrar o patrimônio em países estrangeiros.
A pessoa física residente no país poderá optar por atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados na sua declaração para o valor de mercado de 31 de dezembro de 2022 e tributar a diferença para o custo de aquisição. A alíquota será menor, de 10%. Para o advogado Igor Mauler, a medida pode trazer vantagens para ambos os lados: “O governo antecipa recebimentos, e o contribuinte economiza uma parte do imposto que teria de pagar no futuro.“.
Já o advogado Leonardo Castro considera que o artigo é uma alternativa de o governo apresentar uma vantagem à pessoa física que passa a ser tributada. Entretanto, alerta que é preciso se precaver para que não se torne desvantajosa ao pagador de impostos, com uma eventual desvalorização do bem ao longo do tempo.
Ele exemplifica: caso um imóvel comprado por R$ 1.000 tenha uma valorização, ao longo de um período determinado, para R$ 101.000, o dono poderá fazer a correção do seu bem declarado e pagar 10% sobre o ganho de capital caso o imóvel seja vendido. Porém, ele lembra que não é possível garantir que a valorização se manterá no momento em que o bem for vendido.
Rosiene Nunes considera que essa pode ser uma boa opção “se o contribuinte pretender se desfazer do ativo no curto prazo”. Por outro lado, pondera que o investidor deverá ter em mãos os recursos disponíveis para pagar o imposto antecipadamente –até novembro de 2023, de acordo com o texto da MP.