Uma investigação que começou no ano passado com a apreensão de esmeraldas ilegais em Dourados, em Mato Grosso do Sul, revelou uma pirâmide financeira, que já afetou 1,3 milhão de investidores em mais de 80 países e causou prejuízos de R$ 4,1 bilhões.
Os componentes do esquema incluem uso de criptomoedas, ostentação nas redes sociais, com uso de iPhones de ouro e aviões fretados para viagens internacionais, e promessas de ganhos rápidos e estratosféricos.
Os números da operação La Casa de Papel, deflagrada na quarta-feira pela Polícia Federal (PF), evidenciam a magnitude do esquema. Foram apreendidos 25 carros de luxo, duas lanchas e 150 cabeças de gado.
Também foram apreendidos 20 imóveis em áreas urbanas e rurais, que incluem uma mina de esmeraldas em Campos Verdes, Goiás, e escritórios na Avenida Faria Lima, em São Paulo, além de pacotes de esmeraldas, pingentes no formato da logomarca do Bitcoin, dinheiro e relógios.
A PF cumpriu seis mandados de prisão preventiva e 41 mandados de busca e apreensão.
De acordo com a investigação, os empresários Diego Chaves, Fabiano Lorite e Cláudio Barbosa, fundadores da corretora Trust Investing, além do pai de Diego, Diorge Chaves, e do empresário carioca Patrick Abrahão, marido da cantora Perlla e espécie de embaixador da empresa, lesaram investidores com um esquema que funcionava a partir da captação de interessados em países como Brasil, Cuba, Espanha e Estônia.
Ataque hacker e auditoria
Conduzida pelo delegado Marcelo Mascarenhas, da PF de Dourados, a investigação identificou que a organização criminosa prometia que os investimentos seriam multiplicados em ganhos diários, que poderiam chegar a 20% ao mês e mais de 300% ao ano, por meio de transações no mercado de criptomoedas por supostos traders a serviço da empresa.
Os clientes eram chamados a atrair novos investidores, em mecanismo que chamavam de “binário”. Na medida em que uma nova pessoa colocava dinheiro nas empresas, o responsável por atrair essa vítima obtinha ganhos adicionais. A prática caracteriza o esquema de pirâmide.
Depois de poucos meses a empresa parava de fazer os pagamentos. E lançava mão de desculpas estapafúrdias. Uma delas era que havia sido alvo de ataque hacker e que a ofensiva cibernética havia dando imenso prejuízo financeiro. Outra desculpa era afirmar que a empresa estava passando por um processo de auditoria.
Com a prisão de um dos fundadores da corretora em Cuba, as redes sociais da empresa informavam que os pagamentos haviam sido bloqueados porque o governo de Cuba teria impedido a atuação da companhia no país.
Segundo a PF, o esquema usava presença massiva nas redes sociais para arregimentar centenas de team leaders. Os pacotes de investimentos ofereciam a possibilidade de aportes que variavam de US$ 15 a US$ 100 mil.
“A prática ilegal foi se tornando mais sofisticada no curso dos crimes, englobando supostos investimentos decorrentes de lucros advindos de minas de diamantes e esmeraldas que a empresa teria no Brasil e no exterior, em mercado de vinhos, de viagens, em usina de energia solar e usina de reciclagem, entre outros”, informou a PF.
Os investigados criaram duas criptomoedas lançadas no fim do ano passado, “sem qualquer lastro financeiro”. A PF identificou uma “manipulação de mercado” que teria servido para valorizar uma das moedas artificialmente em 5.500% em apenas 15 horas, com pico de até 38.000%, dias depois.
“Tudo isso para manter a pirâmide financeira o mais tempo possível em atividade, pois as criptomoedas foram utilizadas para pagar os investidores”, disse. Após alta meteórica, as criptomoedas perderam todo o valor de mercado, com perda quase completa da liquidez.
Participação de igreja
Detido no Rio, o sexto alvo do mandado de prisão preventiva é o pastor Ivonélio Abrahão, pai de Patrick Abrahão, que desde 2014 é presidente da Igreja Ministério Internacional Restaurando as Nações (MIRN), que tem sede em Belford Roxo e filial em Alagoas.
Vida luxuosa com a família — Foto: Reprodução
Segundo a PF, a igreja era usada junto com uma rede de empresas de fachada, contas pessoais e de parentes para movimentar o dinheiro proveniente do esquema. Só a igreja teria movimentado mais de R$ 15 milhões, além de ter sido usada para ocultação e lavagem de dos recursos.
Com quase cem mil seguidores no Instagram, o pastor Ivonélio Abrahão, que se apresenta como “Apóstolo Abrahão”, posa diante de uma Lamborghini, com a legenda: “Andar de Porsche é muito bom, mais (sic) andar de Lamborghini não tem preço”.
Acusado de ser um dos chefes do esquema de pirâmide, o empresário Diego Chaves, CEO da Trust Investing, levava vida de luxo nas redes sociais. No Instagram, há registros dele em locais como Veneza, na Itália, além de motos e carros caros e jatinhos.
Chaves incluía nas legendas mensagens que mesclam auto-ajuda com a persuasão que usava na hora de angariar investidores.
A operação da PF é o desfecho de investigação que começou no ano passado, quando Cláudio Barbosa e Fabiano Lorite foram presos pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) enquanto dirigiam rumo à cidade de Coronel Sapucaia, na fronteira entre Mato Grosso do Sul e o Paraguai.
Os policiais encontraram no porta-malas mais de R$ 500 mil em esmeraldas com nota fiscal considerada “inidônea”. Ambos foram presos por falsidade ideológica.
Os empresários poderão ser denunciados por crimes contra o sistema financeiro nacional, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, usurpação de bens públicos, crime ambiental e estelionato.
Procuradas, as defesas dos investigados não se pronunciaram até o fechamento desta edição.
O que é a pirâmide financeira?
A pirâmide financeira é um esquema comercial insustentável, no qual a principal receita é a remuneração pela indicação de novos integrantes. Isso acontece por meio de uma taxa de entrada no negócio ou investimento inicial. Os investidores são atraídos por promessas de ganhos altos no curto prazo.
— Existe uma retroalimentação. A pessoa que investe R$ 20 é obrigada a levar outras duas, que também invistam esse valor. Então, R$ 10 de cada uma são usados para remunerar quem está no topo — explica o criminalista especializado em Direito Penal Empresarial, Thiago Nicolai, do DSA Advogados. — O dinheiro dos novos entrantes é consumido. Tem sempre um buraco na base da pirâmide. Se todo mundo resolver sacar, o negócio quebra.
O advogado avalia que muitas pessoas caem em golpes relacionados a criptomoedas porque o assunto ainda é pouco conhecido:
— O ganho acaba sendo uma maquiagem feita com dinheiro dos novos entrantes.
*Colaborou Letycia Cardoso
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