Foi publicada em 29 de dezembro de 2022 a Medida Provisória nº 1.152 (MP 1.152), que altera a legislação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (IRPJ/CSLL) para introduzir um novo regime de preços de transferência. As novas regras poderão ser adotadas já a partir de 2023, sendo de observância obrigatória a partir de 2024.
O novo marco legal (a ser apreciado pelo Congresso Nacional) modifica substancialmente a forma de se lidar com a tributação de lucros em operações internacionais envolvendo partes relacionadas e é compatível com uma aproximação do Brasil com à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Resumidamente, as normas de preços de transferência têm por objetivo disciplinar os preços praticados entre partes ditas “relacionadas” (como aquelas pertencentes a um mesmo grupo econômico ou com influência significativa umas nas outras) de modo a garantir que atendam parâmetros de mercado e, assim, preserve-se a base tributável dos países envolvidos na transação. Isso porque, em tese, partes relacionadas têm mais facilidade de alocar receitas e lucros entre países em suas operações, reduzindo artificialmente os tributos a pagar em comparação com o que seria devido em um ambiente de mercado.
Assim, caso uma empresa brasileira pague ao exterior valores considerados excessivos por bens, serviços ou direitos importados, deve reconhecer como despesa dedutível para fins de IRPJ/CSLL apenas uma parcela desses valores, determinada segundo métodos de cálculo listados pela legislação. Por sua vez, exportadoras devem reconhecer receitas mínimas na apuração de tais tributos.
Por trás do texto legal há uma premissa fundamental, que é a necessidade de comparar as operações entre partes relacionadas com operações de mercado, a partir do princípio “arm’s length” – ora expressamente previsto na MP 1.152 que, em suma, busca identificar o comportamento que as partes adotariam se estivessem “à distância de um braço”, isto é, em um ambiente em que as partes são independentes.
O princípio em questão é complexo e subjetivo, de modo que sua adoção expressa representa de fato uma mudança de direção na legislação tributária. A legislação ainda vigente possui um viés mais prático, ao estabelecer número reduzido de métodos de cálculo para definição dos preços adequados e impondo margens fixas presumidas a depender do tipo de operação e método de cálculo. Tais regras muitas vezes não definem com precisão os parâmetros de mercado nas operações entre partes relacionadas, mas são relativamente objetivas e possuem menos margem para interpretação do aplicador.
Com a MP 1.152, passam a ser previstos métodos historicamente admitidos pela OCDE, mas até então sem previsão na legislação brasileira, caso do novo método da Margem Líquida da Transação (MLT) e da Divisão do Lucro (MDL). Os outros métodos foram calibrados para corresponder a seus pares nas diretrizes da OCDE.
É interessante notar que a nova legislação não mais autorizará o contribuinte a adotar o método que preferir. Como regra, deverá ser aplicado o método do Preço Independente Comparável (PIC), que consiste em comparar o preço da operação entre partes relacionadas com os preços ou valores de transações comparáveis. O contribuinte que desejar aplicar outro método deverá justificar a não-aplicação do PIC (como na situação em que não haja preços comparáveis ou seja impraticável realizar a comparação).
A abertura da legislação para o princípio “arm’s length” e uma adequação aos métodos de preços de transferência adotados no âmbito da OCDE são, portanto, passos importantes do Brasil rumo a um alinhamento com padrões internacionais.
Outra mudança bastante relevante na nova legislação diz respeito à sua aplicação a intangíveis, inclusive aqueles trazidos como “de difícil valoração”. Até então, a legislação previa que as regras de preços de transferência não se aplicavam a royalties pagos ao exterior. Nesse sentido, a Portaria MF nº 436/1958 impunha limites percentuais à dedução de despesas com royalties a depender do setor econômico. Com a disciplina na legislação de preços de transferência, espera-se uma adequação dos parâmetros brasileiros à prática internacional.
Há outros pontos abarcados pela legislação que trarão importantes repercussões, como os serviços intragrupo, contratos de compartilhamento de custos (cost sharing) e operações financeiras entre partes relacionadas.
Por se tratar de uma legislação robusta e que substitui o regime ainda vigente, é de se esperar que muitas dúvidas e questões doutrinárias surjam sobre sua aplicação e interpretação, ainda mais com a regulamentação que se espera do Fisco federal. De toda forma, trata-se de notável avanço da legislação brasileira rumo à harmonização com parâmetros internacionais, o que favorecerá a troca de investimentos e as relações comerciais brasileiras.
Arthur Barreto é advogado da área tributária do escritório Donelli, Abreu Sodré e Nicolai Advogados (DSA Advogados).
Revista Consultor Jurídico, 13 de janeiro de 2023, 15h16
https://www.conjur.com.br/2023-jan-13/arthur-barreto-novos-rumos-lei-precos-transferencia
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