Luiz Antonio Varela Donelli and Carolina Wright Machado
Tendo em vista a atual situação de emergência e absoluta calamidade pública que o Brasil se encontra em função da rápida disseminação da pandemia do Coronavírus, diariamente são editados novos instrumentos normativos, das mais diversas naturezas, a fim de evitar o colapso socioeconômico no país, bem como para tentar recuperar todos os danos já causados por tal crise.
A título exemplificativo, o Senado Federal aprovou neste último dia 03 de abril de 2020 o Projeto de Lei 1.179/2020, que instituiu o chamado “Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET)”, para regular as relações de Direito Privado durante o período da pandemia.
O objetivo principal do RJET é promover a flexibilização dos contratos celebrados antes da ocorrência da pandemia do Coronavírus, tendo em vista as dificuldades econômicas que a população e as empresas já vêm enfrentando em função da drástica e repentina diminuição da demanda, do aumento abrupto nas taxas de desemprego e, principalmente, da insegurança acerca do futuro, que cada dia mais domina o país.
Dentre as várias medidas estabelecidas pelo RJET, importante citar algumas, que impactam diretamente no dia a dia e nos grandes negócios empresariais realizados no Brasil:
- As liminares para ações de despejos de imóveis prediais ficarão suspensas até 30 de outubro de 2020, data estimada para o fim dos eventos decorrentes da pandemia do Coronavírus no Brasil, a não ser que o respectivo locador retome o local para uso próprio ou de seus familiares;
- Os locatários residenciais, por outro lado, caso sofram alterações econômico-financeiras em virtude da pandemia, tais como demissão, redução de carga horária de trabalho ou diminuição de remuneração, poderão suspender, total ou parcialmente, o pagamento dos aluguéis vencíveis a partir de 20 de março até 30 de outubro de 2020;
- As regras para contratos agrários serão, de modo geral, flexibilizadas. Por outro lado, a contagem do tempo de ocupação de terrenos, para efeitos de usucapião, será suspensa;
- Os síndicos e responsáveis pela gestão de condomínios ficarão autorizados a criar restrições temporárias para o acesso a áreas comuns e a realização de obras. Além disso, as reuniões de condomínio poderão ser realizadas de forma remota até 30 de outubro de 2020;
- Os dividendos fornecidos por sociedades empresárias a seus sócios/acionistas poderão ser antecipados.
Desta forma, uma vez que tenham sido levantados e ainda que não tenham sido formalmente aprovados pelos sócios/acionistas, os dividendos oriundos do exercício fiscal encerrado em 2019 poderão ser distribuídos durante o exercício fiscal de 2020 pelos administradores da respectiva sociedade empresária, independentemente de previsão estatutária ou contratual expressa nesse sentido;
- As reuniões de sócios e/ou assembleias gerais de acionistas, conforme o caso, poderão ser realizados de forma remota;
- Todos os prazos legais relativos (i) à aprovação das demonstrações financeiras das sociedades empresárias, seja mediante a realização de reunião de sócios ou assembleia geral ordinária de acionistas, a depender da natureza jurídica da sociedade; bem como (ii) para a publicação, conforme aplicável, e o arquivamento dos atos societários perante as juntas comerciais competentes, ficarão prorrogados até o dia 30 de outubro de 2020;
- Até o dia 30 de outubro de 2020 será permitida a celebração de contratos de arrendamento com empresas nacionais cujo capital social pertença, majoritariamente, a pessoas naturais ou jurídicas estrangeiras; e
- No caso específico de compras em delivery envolvendo produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos, fica suspensa a aplicação do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor.
Via de regra, referido artigo permitiria que o consumidor desistisse do respectivo produto ou medicamento no prazo de 7 dias a contar de sua compra ou do ato de seu recebimento, já que tal contratação de fornecimento ocorreu fora do estabelecimento comercial, mas por telefone e em domicílio.
Por fim, importante ressaltar que a inspiração para a elaboração deste Projeto de Lei foram as regras provenientes do ordenamento jurídico francês que tratam sobre situações excepcionais para a aplicação da teoria da imprevisão.
Isso porque, não obstante o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor brasileiros já possuírem disposições específicas que tratam não apenas sobre a teoria da imprevisão, mas também sobre outros eventos que caracterizam a força maior e o caso fortuito, as consequências geradas pelo Coronavírus ainda assim demandam novas medidas, de caráter muito mais drástico e cuja aplicação deverá ser implementada o mais rápido possível.